sábado, 1 de outubro de 2011

Mais Rita Lee, (muito) menos ritalina!!!


 Eu sei, o título dessa postagem não é nada original. Primeiro, por que é um plágio muito do sem vergonha do nome de um livro que - guardadas as devidas proporções - talvez tenha o mesmo objetivo deste texto, sendo que este, obviamente, é uma empreitada muito mais tímida. O livro ao qual me refiro chama-se: Mais Platão, Menos Prozac, e o objetivo em comum seria discutir o uso de certos medicamentos "comportamentais", por assim dizer, que podem ser perfeitamente suprimidos quando refletimos de maneira mais apropriada sobre as querelas do nosso cotidiano.
Em segundo lugar, o que, de fato, inspirou o trocadilho que intitula estas linhas, tão bem traçadas pelo editor de texto, foi a entrevista com a Prof. Dra. Maria Aparecida Moysés, exibida no vídeo acima. A Dra. Moysés é pediatra e professora da Faculdade de Medicina da Unicamp, e já há algum tempo vem discutindo, com uma postura bastante crítica, as relações entre medicina e educação, principalmente no que tange à patologização dos problemas escolares enfrentados pelas crianças pertencentes às famílias de baixa renda (ver postagem anterior). Em 1992, por exemplo, publicou no Cadernos Cedes (Nº 28) um instigante artigo chamado A história não contada dos distúrbios de aprendizagem, em co-autoria com a professora Cecília Collares, no qual questiona a propriedade de se tentar enquadrar os problemas de aprendizagem em categorias nosológicas.
Nesta entrevista, a Dra. Maria Aparecida afirma peremptoriamente que não "daria" Ritalina a uma criança, ainda que estivesse convencida que seu problema se tratava de uma patologia. A entrevistadora, em seguida, pergunta-lhe o que ela "daria", então. - Talvez Rita Lee, retrucou a Dra.
Trocadilhos à parte, é, sem dúvida, preocupante saber que a produção e consumo de metilfenidato (que tem ritalina como nome comercial) cresce assustadoramente em todo mundo e que o Brasil é o segundo país que mais consome a droga, perdendo apenas para os Estados Unidos. Segundo o artigo de Ortega e colegas (A ritalina no Brasil: produções, discursos e práticas, 2010), entre os anos de 1990 e 2006 houve um aumento da ordem de 1200% (!!!) na fabricação mundial do medicamento. Ainda segundo estes autores, no Brasil, o consumo saltou de 23kg de metilfenidato em 2000 para 317kg em 2006. Ou seja, um aumento de mais de 1300% em apenas seis anos!
É verdade que a inclinação para a medicalização do fracasso escolar não é algo recente na história deste conturbado relacionamento entre educação e saúde no nosso país. O artigo da Patrícia Zucoloto (2007) revela que já no século XIX havia esta tendência de considerar como doentes aquelas crianças - mormente as menos privilegiadas economicamente - que não conseguiam aprender o que a escola tentava lhes ensinar. Todavia, com o notável desenvolvimento da indústria farmacêutica e sua produção em larga escala, aliado à concepção dominante de que "mais em menos tempo" é sempre melhor, fica mais difícil encontrar pessoas que estejam dispostas a investir tempo e esforço (e talvez dinheiro) para solucionar os problemas estruturais que determinam o nosso modo de vida.
Essa prática de contornar o enfrentamento das questões educacionais, tanto no nível macro (políticas educacionais) quanto no nível micro (concepções e práticas de ensino), torna-se cada vez mais nociva. Isto por que é cada dia mais fácil tomar-se o atalho mais curto, mas sempre muito mais arriscado, da intervenção bio-química, que incide diretamente sobre os sujeitos. Adequamos, com isto, os indivíduos a uma estrutura que produz, ela mesma, patologias, deixando-se o entorno intacto. 
O cenário se torna ainda mais desesperador, quando notamos que quem está sendo conformado ao que está posto, com drogas que inibem justamente o poder de reação, são as crianças, que não têm (e talvez nunca tenham) discernimento nem autonomia para decidir se querem submeter-se ao enquadramento ministrado por via oral. Saber que a ritalina é chamada de "droga da obediência", deve ser bastante tentador para pais, professores e outros profissionais da área PSI, por que a droga lhes poupa o trabalho nem sempre muito tranquilo de entender e educar as crianças e adolescentes.